Na minha inocência infantil, ao chegar na "fazenda", depois de abraçar os cachorros, corria para a velha "cacimba". Cacimba – para quem não sabe – é uma espécie de poço, uma vertente natural , protegida por uma casinha de madeira. Água fresca, fria para se beber à vontade, alimentando gerações por décadas.
Águas que saciaram a sede dos soldados da "Revolução Farroupilha" que, de tempos em tempos, passavam em piquete revolucionário, nas terras de meus bisavós e avós na Fazenda de Santo Amor, (Morro Redondo), Pelotas.
Naquela época, - anos 50 - não passava pela cabeça de ninguém, preocupações com a futura falta d’água. Nem fatalismos nas plantações, pois as estações das chuvas eram pontuais como o dourado relógio de bolso de meu avô.
Nada para pensar nem assustar. Nem se sabia de palavras ainda estranhas, como meteorológicas, hidrológica, agrícolas, demográficas e tampouco ecológicas... ou preço da água.
Tudo eram riquezas naturais. As frondosas figueiras onde vivi em meio a todos tipos de passarinhos, borboletas e susto de algumas cobras que faziam suas refeições.
Minha melhor "universidade" foi a da infância. Enriquecidas pelo "cata-vento" que carregava as baterias que nos forneciam luzes amareladas. O rádio e o gramofone davam um toque mágico, parecendo que a vida levaria muito tempo para passar.
Que ironia! Neste depoimento, percebo que a vida se esvai num zás, ou vapt-vupt!
A cidade era uma continuação, uma extensão das coxilhas, pois ainda havia muitas árvores e rios para se pescar e tomar – proibidos – banhos com a gurizada.
Assim, fui vendo desaparecer 13 quarteirões de árvores adultas de Ipê-Roxo; depois o arroio Santa Bárbara que, (...se a mentalidade fosse de preservação) seria como uma "marina", atravessando a maior parte da cidade de Pelotas. Veio o progresso! E a fábrica de papel – que dava empregos para matar a fome de uns – lançando soda caústica resultante do tratamento da celulose, e mil resíduos fedorentos na atmosfera. Assim, se matou o arroio, mataram os peixes. E a morte foi chegando na Lagoa dos Patos, na Ilha da Feitoria, matando os ganhos dos pescadores.
Meu vô "flor" (...seu apelido!) era dono de uma parelha de pesca. Seus enormes barcos enfrentaram tempestades, naufrágios e salvamento do tio-avô Memélo. Mas não sobreviveram às águas poluídas, contaminadas, por óleos lançados de navios.
Estes cenários que vivenciei estão sepultados. Nem poço, nem fontes, nem arroio, nem peixes, nem árvores! Hoje, com água dos rios, lagoa e oceano poluídos, que sonho e visão otimista ou realidades podemos contar para nossos filhos e netos?
Foi na minha infância que aprendi: sem água pura, nada sobrevive! E que pode-se mudar uma cidade, mas não um poço ou uma coleção de água!
Aliás, só sobreviveram estórias da família! ... perdendo-se geração após geração! Com os primos – às vezes - relembramos a chuva na vidraça, o raio que queimou a árvore e das águas de nossa infância que sumiram.
Era a crise que - ontem - ninguém via. E que – hoje – muitos não conseguem ver... infelizmente! Por tudo, - justifico – escrevi a série "Água,... no Planeta Terra."
Dr. Gilnei Fróes - (Escritor técnico-científico, Ecólogo, Médico-veterinário, projetista ambiental)) Em 1990 – Premio de Jornalismo da Brigada Militar do Estado do RGS (com artigo: "TAIM: paralelo 33° ...ameaçado" (Diário da Manhã – Pelotas / RS). Indicação ao "The Rolex Awards 1990 (Genebra); e ao "The Global 500 Awards" (ONU / Kenya) Autor do livro "Dossiê da Amazônia". Em 2004, 1° Premio do "I Latino Ambiental Awards". Presidente do "Instituto Bering Fróes Eco Global" .
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Cascavel | São Cristóvão
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